sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Cartas de Sophia



Henry,
Todas as tardes podiam ser como aquela tarde, aquela tarde quando não fingimos que brigamos e não brigamos de verdade. A tarde que fingimos que não descordamos tanto e somos tão diferentes. A tarde em que não digo que está tudo bem e você não diz que quer me matar. Todas as tardes podiam ser mais como hoje. O nosso problema é não aceitar que somos mentes fictícias vivendo no mundo real, somos dois seres tão parecidos em sua essência e tão diferentes no seu conteúdo. É como se nós estivessemos em um mesmo frasco de vidro, só que eu sou o suco de caju e você o suco de limão. Entendeu? Ok. Somos como dois personagens de um livro que foram supostamente condenados a viver no mundo real. Não é um livro daqueles em que tudo dá certo, é um livro em que tudo acontece de forma errada e que os personagens tem sempre muito tempo pra pensar e pensar. Eu não sei o fim do nosso livro e nem sequer conheço o enredo. Sei que no nosso livro as falas eram sempre marcantes e as brigas soltavam faíscas. No livro quando nessas tardes ternas em que nada de errado acontece, nós iriamos nos amar profundamente e tão intensamente que perderíamos toda vontade de mais uma briga, não digo necessariamente no sentido físico (não excluindo isso), mas nos amaríamos com a alma. Essas tardes trariam memórias melhores do que construímos. No dia em que tudo isso chegar ao fim, terei algo pra sentir saudade. Talvez se retornássemos para o nosso livro um dia, pra onde nossos pensamentos façam sentido... talvez. Talvez assim tudo dure mais do que apenas mais 1 ano. Eu não sei. Sinto agora que nossas tardes não serão mais assim, isso não vai acontecer de novo. Não irá acontecer, até um de nós ceder.


Sophia Iris, a confusa.

sábado, 15 de outubro de 2011

Libertamento preso

Nada mais me prende a esse país. Mentira. Estou presa, mas digo que não para pensar que não e meu coração me deixar ir. Estou me entregando toda às forças policiais. Eu disse que iria, por que perseverou em não acreditar em nada que passava pelos meus lábios? Eu jurei que não iria me entregar, fiz promessa, cai da mesa e subi aquela porta. Pela porta parecia mais fácil que pela parede, não entendi. Você disse que não precisava, que não iria me prender e que sempre que eu quisesse poderia ir. Assim fiz. Disse que ficaria só por alguns dias, só pra sorrir um pouco. Sorri até demais e acho que gostei. Gostei do que dizia todo dia, dos seus ouvidos sempre confiáveis. Gostei de poder falar sobre o sangramento e de curar o seu ferimento. Meu ombro ficou todo alegre, dizia e dizia que não queria voltar pra casa. Minha casa era feliz pra mim, mas era um feliz sozinho, um feliz eu e Deus. Era feliz só por causa dEle e mais ninguém. Mesmo assim, na minha casa não tinha as suas pernas. Eu jurei que não ia gostar, que ia continuar tudo como era. Até durou um tempo a minha promessa, só que eu gostei da sua boca. Gostei mesmo dela, sonhei com ela e pensei nela. Ela me dizia e me ouvia, me beijava e gostava de mim. Ela tinha gosto de azul e azul é quase verde. Só tinha beijado amarelo, azul nunca. Um dia te senti distante e por ter sentido pensei que tinha me entregado e nem havia notado. Foi o que houve. Me entreguei sem notar e lá estava eu e o seu azul todo azulado. Quando notei, o meu mergulho já estava bem fundo, lembrei-me do dia em que não me quiseram, o dia em que me deixaram. Me senti como naquele dia, me senti dependendo de algo. Não gosto disso. Não gosto de depender e de esperar, sempre me decepciono. Acho que conseguiu o que você queria e eu não sei o que eu queria então não sei se consegui. Só sei que vivi e essa é a minha vida. Minha vida sobe por janelas e cai dentro de caixas. Você não é janela nem caixa, você é pasta rosa. Agora eu vou mesmo embora. Vou devagar pra ver se não você não percebe, não quero ter que ouvir, sentir e gostar. Quero ficar, quer dizer quero ir. Devo ir, devagar mesmo. Eu já vou indo nessa velocidade mesmo. Vou porque não quero mergulhar mais fundo que isso.
Juro que não mando lembranças, mas acabarei mandando.
Quando eu for, me diga se me viu partir.




"Ah, se já perdemos a noção da hora se juntos já jogamos tudo fora, me conta agora como hei de partir. Ah, se ao te conhecer dei pra sonhar, fiz tantos desvarios, rompi com o mundo, queimei meus navios, me diz pra onde é que inda posso ir. Se nós nas travessuras das noites eternas já confundimos tanto as nossas pernas, diz com que pernas eu devo seguir. Se entornaste a nossa sorte pelo chão, se na bagunça do teu coração meu sangue errou de veia e se perdeu." Chico Buarque